24 de maio de 2009

Humanos iguais à comida

- Está tudo bem?
- Está... Por que não estaria?
- Porque esse quarto está cheirando a enxofre e você estava gritando?!
- Não estava...
- Se não foi você, foi quem?
- Algum outro inquilino... Agora, deixe-me em paz se já mataste tua curiosidade.
Anny se retirou, com aquele olhar de desconfiança, mas obediente não ousou interromper-me.
Aos meus pés estava uma carta de papiro
- “Pense em minha proposta, minha doce Enelya! Chame-me quando desejares. Estarei ao seu total dispor! Com o afeto digno do meu ser, seu eterno anjo, Anámel.”
Não entendi muito bem o que desejava aquele anjo... Sabia desde o início que eu não aceitaria, no entanto veio tentar convencer-me. Era interessante perceber quanto o submundo estava interessado em Hussifel. Ele realmente era um humano interessante.... Indefeso, sem força alguma, uma criança humana como outra qualquer, estar superior a qualquer outra raça, pelo simples caso de dar-lhe interesse a mais que a qualquer outro;
Joguei aquela carta no fogo da lareira de meu quarto e sai para o salão principal. Fora do quarto escutava os cochichos impertinentes...
- Ela não quer admitir que possui medo! Sabe lá o que tinha naquele quarto... escutei vozes!
- Anny, vai ver o cheiro de enxofre seja só mais uma prova do quanto ela é poderosa.
- Ou vai ver ela estava tentando se matar...
- Mas ouvi vozes de dentro do quarto, juro que ouvi!
- É impossível alguém entrar lá...
- Já terminaram de cochichar tanto sobre a minha vida? – coloquei-me a frente daquele grupo, eles não possuíam o direito de interferir em meus projetos.
- Desculpe Milaide... Estávamos preocupados com a senhora. Estais em bom estado?
- Pareço-te transtornada?
- Nem um pouco Milaide...
- Não preocupeis comigo. Preocupeis com vós mesmos.
Então um jovem, muito jovem mesmo, aproximou-se de mim.
- Milaide, estamos sem comida.
- O que fizeram com os corpos que trouxe no inicio do mês?
- Todos acabaram minha senhora! Logo seus sangues ficaram qualhados e não podemos mais beber...
- Talvez possamos caçar de semana em semana....
- Estão loucos? Querem ser descobertos? Morrerem nas mãos dos humanos?
- Mas eles são inofensivos, milaide...
- Inofensivos enquanto estiverem em pequeno número. Vocês são jovens de mais... Saibam que foi por causa deles que perdemos nosso imenso império e nos reduzimos a este mísero castelo. Tínhamos um país aos nossos pés, e então eles se rebelaram contra a nossa natureza... Mostrem-se e morram!
- Eles são comida, Milaide! Comida! – Cornell quem aparecia agora no meio dos vários jovens, aquele grupo se aglomerava no corredor e ia crescendo, com Cornell no meio. Todos para denunciar meus atos...
- Eles são como nós!
- Não fale besteira, Enelya... Eles são animais, mal conseguem dominar seus próprios sentimentos e ações.
- E tu achas que consegues?
- ... Eu ao menos tenho o consentimento de não ter o controle...
- Não podes sair julgando as pessoas assim, Milaide. – disse uma cortesã, muito avantajada em suas curvas, enquanto abraçava Cornell – Não conheces nossos pensamentos!
- Bem sei o que queres! Comida, comida, comida e mais comida!
- Queremos comida decente, Milaide! – um belo vampiro, antigo hospede, postou-se a frente de todos – Comer animais... Isso é o fim de nossa raça!
- Ou isso, ou morrem! Seja por fome, seja por acabarem descobertos...
- Morres de medo desta classe inferior!
- E por quanto tempo mais ela será inferior? Cuidem-se enquanto ainda há tempo! Se me dão licença tenho assuntos a tratar.
Passei por todos eles, todos com aqueles olhares acusadores, todos indignados. E senti um calafrio, um temor de que se rebelassem ali mesmo. Mas não aconteceu...
Consegui chegar até o saguão a tempo. Quando Cornell materializa-se a minha frente.
- Vais encontrar seus amiguinhos?
- Que amigos?
- Os humanos!
- Ora...
Puxou-me para o sofá e eu não hesitei, sentei-me ali e anormalmente começamos a conversar.
- Estou detendo os nossos hospedes enquanto ainda há tempo...
- Ora... nossos?
- Escute...
Calei-me e esperei curiosa por saber o que viria dali em diante.
- Eles não estão satisfeitos há muito tempo por estarem comendo pouco. Querem carne!E é natural de nossa espécie isso. A restrição de comida está deixando eles loucos e frustrados... Carne de animais... Isso é sem gosto, sangue sem sabor, sem energia...
Abaixei a cabeça... Consenti... Era verdade e eu já não sabia como dar-me com a situação.
- Eles devem aceitar... Ou todos sucumbirão nas mãos dos...
- De seus amigos! Eu tenho segurado as coisas por aqui, Enelya. Tenho me esforçado e feito o meu dever. Mas suspeita-se que andas te relacionando com eles. Todas as noites sais e um anjo negro veio até nós!
- Como sabes do anjo?
- Anámel veio até mim também!
- O que ele disse a ti?
- Não perguntei o que ele falou a ti, apesar de sabê-lo que o fez! Quero que também não me importunes com este tipo de pergunta! Tens o conhecimento de quão desagradável são essas visitas.
- Sim...
Levantei-me e vesti meu casaco.
- Ainda assim irás sair?
- Creio que devo! Preciso resolver alguns assuntos pendentes.
- Que assuntos são esses, Enelya? Andas escondendo algo de todos nós!
- Assuntos de interesse meu e de meu pai... Boa noite Cornell. Obrigada pela conversa. Amanhã ao por do sol voltarei com comida!
- Espero-te...
A reação de Cornell foi extremamente estranha, ele foi educado e comportou-se como um amigo para mim, além de não tentar impedir-me como geralmente o faz. Apesar de ter gostado de tal companhia, soa-me falsa e fico com algumas duvidas sobre este caso...

O Meu Anjo mensageiro

- Acorde Enelya , esta na hora de você acordar.
“Quem fala comigo? Essa voz doce, tão musical... Donde vem? Não fala através de palavras, decerto, pois não há murmúrios aqui! Só silêncio... O que é? Fala através de minha mente, e toca tão fundo em meu coração... Quem será...?”
-Sou mais um anjo caído que vem te visitar.
Abri os olhos, a 3 dias estava deitada em meu quarto, sonhando, repensando em meu passado, para lembrar meu destino, meu caminho, como uma vampira e como futura imperatriz.
Meu quarto, naquela época, era uma aconchegante suíte, tinha uma cama ao centro com cobertores de veludos vermelho, ao lado havia uma cabeceira com um jarro de água e uma bacia para lavar as mãos. A janela arredondada de vitrais com desenhos de rosas negras deixava um pequeno feixe de luz passar por entre as cortinas vermelhas. O anjo se levantou e fechou a cortina, impedindo que o único feixe de luz que havia entrasse por ali! Tudo estava muito escuro agora...
O anjo se aproximou, deitou ao meu lado e acariciou meus cabelos. Parecia querer seduzir-me. Creio este ser o costume dos anjos caídos, seduzir para atacar... Escutava sua respiração no meu ouvido e sentia seu hálito, sua língua, uma mistura de gosto e cheiro de enxofre e rosas murchas. Tentou me tocar com um certo tom inconveniente em meus seios... Creio que o anjo leu meus pensamentos, pois se afastou de mim sem ousar mais nada.
Sentou-se no nada, e em seguida surgiu uma cadeira de ossos, cada osso da cadeira muito bem arrumado e ajustado. Duas ossadas, com seus crânios no braço da cadeira onde se podiam colocar as mãos sobre o mesmo.

Lá estava aquele anjo, desajeitado, de cabelo desgrenhado, um cabelo ruivo sangue. Seus olhos não tinham iris, em seu lugar tinha um desenho que não consegui identificar, talvez por estar tão enfeitiçada com o encanto dos mesmo que produziam sobre mim um efeito alucinógeno.
Vestindo um pano preto longo, esfarrapado, mas ainda assim belo como seda. Olhei-o tão profundamente em seus olhos que senti a alma do inferno subir por entre as têmporas de minha pele branca.
- Já acordaste; minha princesa?
- Quem é você?
- Agora não há sentido falarmos sobre quem sou! O importante é que tem gente interessada em você! Em você e nesse seu novo brinquedinho. Como é mesmo o nome dele? Hussifel? É isso?
- O que tem aquela criança?
- Ah certo! É Hussifel! Assim facilita as coisas! Sabe, odeio chamar os outros por adjetivos pejorativos... Mas como ia dizendo, tem gente interessada em fazer negócio com você, Enelya.
- Que tipo de negócio seu mestre quer comigo? Não gosto quando vocês surgem sem avisos. Boas notícias nunca trazem!
- Ora, minha querida, não fale assim com seu amado anjo...
- Que negócio você e seu mestre querem comigo?
- Com você não se pode tentar fazer nenhum agrado, não é mesmo?! Bom, sendo assim, vou direto ao ponto: quanto você quer pela cabeça de Hussifel?
- COMO?
- Qual o preço que você quer pra matar o Hussifel, fofa? Vamos, não tenho muito tempo, ainda há muito serviço a ser feito! Vamos, fale-me! Podes pedir-me tudo o que quiseres, todos os teus desejos mais íntimos....
- O que eu ganho matando o Hussifel?
- Não faça perder meu tempo, já que ele não será bem utilizado com teu corpo voluptuoso... Já lhe disse, terás tudo o quanto quiseres! Tudo! E talvez um pouco mais até... Dependendo do que você peça e do seu bom serviço.
- Por que Hussifel?
- Não é agradável a nós uma criança que pode descobrir tudo sobre os vampiros, isso traria ruína ao teu próprio reino! Pois bem, estou eu, posto aqui, tentando ajudar-te.
- E se eu não fizer o que tu queres?O que farás tu comigo?
-Bem... meus amigos e meu mestre não estão gostando muito da idéia de nossa futura imperatriz andar com esse moleque que consegue vê-la quando ela usa seus poderes para ocultar-se.... E você e o seu pai vêm burlando muitas regras. Temos deixado passar, mas tenha dó, esgotas a paciência de muita gente...
A espécie de vocês é nojentinha, não? Por que, então, não deixamos que sejam descobertos e mortos? Por mim isso seria ótimo... Mas meu mestre possui planos pros infelizes daqui.
O que vem ao caso é que se você não matar Hussifel, você será morta, minha queridinha! E acredite se quiser, não vai ser ninguém do meu meio que irá fazer isso! Será inevitável. Podemos prolongar a sua vidinha... E então? É sua “life” pela do moleque idiota que você falou naquela noite, aquele humano mesquinho que não serve pra nada além de aumentar a população deles, além de sujar e destruir tudo o que vier pela frente, além de ser tão egocêntrico quanto à espécie de vocês.
Vamos menina! Não fique me olhando com essa cara de intriga pensativa. Escolha logo! Já disse que não tenho muito tempo...
- Eu...
- Olha, não interessa! Você mais do que ninguém sabe do que nós somos capazes e do poder que exercemos sobre vocês! Não somos mais do que as suas próprias naturezas, mas podemos muito bem acabar com vocês! Vamos decida! Mate o moleque!
- Eu não posso... Não tenho forças... Preciso de tempo...
- Tanta enrolação para isso? “Eu não posso”?! Você quase já matou Cornell sem pestanejar. Cornell, um vampiro! E um vampiro poderoso! Agora achas que tens que ter forças mais poderosas do que as que já possuis para minguar a vida de um reles humano? Um humanozinho de 5 anos que consegue ver alguns espiritozinhos? Ah, Enelya!Se for por isso lhe apresento mais um monte....
- Não me sensibilizo por isso, nem é a razão de meu receio!
-Então mate- o, Enelya!
- Matar...
- É só um menino de 5 anos! HAHAHAHA
Aquela risada sinistra fez-me contorcer, e pensar mais a favor da vida daquele menino do que em sua morte.
- Não...
-MATE - O
- Sinto pena...
Era verdade, sentia pena. Não sei ao certo do que, mas a sentia.
A presença do anjo começava a me sufocar, meu quarto parecia estar em chamas, sentia muito calor e fumaças sobre o ar. Tinha levantado à ira de meu anjo... Ele estava furioso, tinha quebrado um dos crânios da ossada da cadeira com as próprias unhas.
- DE QUE TENS PENA, ENELYA? VOCÊ MINHA PRINCESA, É MINHA RAINHA DA MORTE! MATE-O!!!!!!!!!
-Não!
-MATE-O
- NÃO
- MATE-O
- NÃO

Um forte barulho da porta sendo arrebentada interrompe a discussão. O anjo foi-se em uma nuvem cinzenta, levando toda a fumaça e o fogo do quarto consigo , deixando apenas uma mancha negra no meu peito onde ele tentou tocar e uma pena da cor de suas vestes sobre a minha cama.
- Está tudo bem aqui, Enelya?
Era Anny, ela tinha arrombado a porta porque escutara gritos de dor vindo do quarto vizinho, o meu.